terça-feira, fevereiro 25, 2014

12 years a slave


"12 anos de escravidão", o filme mais comentado e premiado do ano, talvez seja a produção mais relevante sobre as causas e as consequências do racismo desde "Faça a coisa certa", do Spike Lee, de 1989. Dirigido por Steve McQueen, é um filme forte, pesado e incômodo; um retrato hiper-realista do dia a dia de um homem que é feito propriedade por outro homem - o episódio mais cruel e doloroso da história da humanidade. Com planos espaçosos e cenas sem muitos cortes, McQueen filma Solomon Northup, um negro outrora livre vivido com força e propriedade pelo inglês Chiwetel Ejiofor, perder sua identidade, sua noção de liberdade e seu senso de dignidade. Sem jamais recorrer ao sensacionalismo - McQueen só mostra o necessário, sabendo que só o necessário já é por demais atordoante -, o filme invade o cotidiano insuportável, cheio de estupros, chibatadas e tortura psicológica, das fazendas escravistas americanas - que em nada se diferem das brasileiras de pouco mais de um século.
Steve McQueen, conhecido pela intensidade desmedida de sua direção - em "Shame", há cenas sem cortes que duram mais de dois minutos em que quase nada acontece -, em "12 anos" apresenta um trabalho elegante e, na medida do possível, sutil. Não há aqui a necessidade da câmera invasiva de Abdellatif Kechiche ("Azul é a cor mais quente") ou das sequências violentas de Darren Aronofsky ("Réquiem para um sonho"); tratam-se de cenas dramáticas por si só, sem a precisão de acréscimos autorais. Tudo é então conduzido com intensidade controlada, e isso se estende às atuações: Ejiofor, por maior que seja o sofrimento do seu personagem, não cai no overacting, dando a Solomon os traços necessários de um escravo que já experimentou a liberdade; o irlandês Michael Fassbender, habitual parceiro de McQueen, interpreta com verossímil voracidade um senhor de escravos embriagado pelo poder de tratar seres humanos como suas propriedades; e, com um desespero contido e perturbador, a mexicana Lupita Nyong'o faz sua estreia no cinema numa personagem forte que experimenta o limite da humilhação humana.
McQueen manipula o espectador com a maestria de veteranos como Steven Spielberg e com a razoável sutileza de uma trilha pontual e uma fotografia cuidadosa. É um dos - talvez o - melhores dramas a trazer às telas uma ferida que permanece sangrando por toda superfície da América.

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